Nesta página poderá encontrar na íntegra todos os artigos publicados no Jornal "A Voz de Leça" que mereceram destaque de 1ª Página.

A Equipa Redactorial

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Um Encontro Nada Fácil

O Teatro, no mês de Novembro, em Leça da Palmeira, começou com “O Pecado de João Agonia” pelo TEAGUS – Teatro Amador de Gulpilhares. Esta peça, de Bernardo Santareno, representada pela primeira vez em 1969, é uma produção diferente daquelas que o TEAGUS habitualmente produz. A forte densidade dramática do texto põe à prova a capacidade emotiva dos actores e actrizes que a representam, mas também é um grande desafio para o público, que é levado a pensar e reflectir sobre o preconceito da homossexualidade. E esta “batalha” foi ganha pelos Gulpilharenses, que conseguiram que o público repensasse este direito à diferença.
Mas o Leça 2007 continuou “azarado”. Não esqueçamos que logo no segundo espectáculo deparámo-nos com a falta do Grupo da Escola Dramática Valbonense. O espectáculo do dia 10 de Novembro também teve de ser substituído. Dado que um dos actores de “O Saiote de Celestina” e d’A Verdade Vestida” se encontrar doente, a Associação Recreativa “Os Plebeus Avintenses” não nos pôde apresentar este espectáculo. Todavia, conseguimos substitui-lo pelo “A Pena e a Leia”, muito bem representado pelo Grupo dos Restauradores de Avintes. Foi um espectáculo diferente, com bastante musicalidade e, com toda a certeza, foi do agrado de todos aqueles que o contemplaram.
E o azar não terminou aqui. Infelizmente tivemos mais uma falta. O RIBALTA – Grupo de Teatro da Vista Alegre também não nos pode apresentar o seu trabalho, “A Ordem é Ressonar”, desta feita por razões profissionais do actor principal. Contudo, não conseguimos trazer até Leça outra peça. Como sabemos, esta é uma altura em que a maioria dos grupos com os quais fazemos “troca” de espectáculos se encontra no seu Encontro de Teatro, tal como acontece com o Grupo Paroquial de Teatro de Leça da Palmeira. Ora, este factor dificulta um pouco as coisas quando surgem estas situações imprevistas.
E o último espectáculo do Leça 2007 parecia que também seria “marcado” pelo azar: uma actriz do elenco estava doente e o encenador António Paiva ainda não se encontrava em pleno para assistir ao espectáculo. Mas tudo foi ultrapassado e, modéstia aparte, muito bem. A actriz foi substituída e o elenco “portou-se” à altura das expectativas. O espectáculo correu até melhor do que estávamos à espera e tivemos bastante adesão por parte do público. Esta foi mais uma homenagem que o Grupo cénico fez ao seu encenador, ao mostrarmos que conseguimos pôr em prática tudo aquilo que ele nos ensinou ao longo dos anos. Terminado o espectáculo, teve lugar a habitual sessão de encerramento do Encontro. Esteve presente um representante da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira, mas infelizmente não tivemos presente nenhum representante da Câmara Municipal de Matosinhos, “em virtude de compromissos previamente assumidos e inalteráveis”. Mas fica aqui expresso o nosso sentimento de pena e tristeza. Porque ao fim e ao cabo, temos o apoio monetário da Câmara para a produção do nosso Encontro, e gostávamos que o nosso trabalho fosse realmente admirado por parte da Autarquia. “Fica para a próxima”, temos a certeza.
O balanço do Leça 2007, apesar de tudo, é positivo: assistimos a bom teatro de amadores. E é isso que importa!
Mas não posso terminar este artigo sem primeiro deixar aqui expresso o desagrado do Grupo Paroquial de Teatro em relação a uma situação da qual fomos “vítimas”. Durante o Leça 2007, fomos “contemplados” com a visita de um fiscal da Sociedade Portuguesa de Autores. Um fiscal “a sério”, com papelada e “provas do crime”. E o “crime” que o Grupo Paroquial de Teatro cometeu é fazer teatro! É dar teatro à população de Leça da Palmeira; é prestar um serviço cultural reconhecido por parte da autarquia municipal, da Junta de Freguesia e até pelo Governo Civil; é organizar um Encontro de teatro de amadores, gente como nós, que monetariamente nada ganha com esta actividade; é ocupar o tempo livre dos seus actores, contribuindo assim para o tão fomentado associativismo; é contribuir, assim, para a dinamização de uma sociedade tão marcada pelo sedentarismo. É este o crime pelo qual o Grupo Paroquial de Teatro terá de “responder”. E agora eu pergunto, será justo? É este o país que queremos ter? Um país que, em vez de apoiar as suas associações e colectividades, ainda lhes aplica castigos.
Viva o Teatro!

Ana Isabel Faria
in "A Voz de Leça" - Ano LIV - Número 9 - Dezembro de 2007

Pode Ser Sempre Natal

O título deste texto lembra uma frase muito conhecida, a que me abstenho de chamar “chavão”, dado que, apesar de repetida não perdeu significado: ‘Natal é quando um homem quiser’. E é mesmo: não apenas quando o calendário indica esta época e tudo à nossa volta o lembra. ‘Natal’ é sempre que não se passa indiferente ao lado do sofrimento dos irmãos, sempre que se divide com quem tem menos.
E houve “Natal” quase um mês antes da data no calendário, quando três nossos irmãos do Bairro dos Pobres de Rodão puderam passar a viver com alguma dignidade e não como animais, que era o que estava a acontecer já há alguns anos. A situação de um deles, Carlos, 30 anos, era absolutamente degradante. Desde a morte da mãe e do segundo casamento do pai passara a viver numa barraca que, ainda que feita de cimento, tinha servido de galinheiro da família. Tóxico-dependente em recuperação, foi assim, em condições absolutamente degradantes, que foi encontrado pelo nosso pároco.
Quando questionado sobre o que o levou a descer tanto na escala da dignidade humana, tinha uma história trágica para contar: o desgosto pela perda da mãe foi demasiado pesado de aguentar, a mulher que o pai escolheu para recompor a família acabou por não ser sensível à perda do enteado, a carência afectiva foi insuportável, o álcool e a droga surgiram como uma espécie de refúgio, mas também um ‘passaporte’ para fora da realidade, porque essa ficou impossível de aguentar. Daí passou a viver no referido galinheiro, cuja porta terá começado por ser parte de um cobertor que o tempo deteriorou até à condição recente de farrapo imundo.
No espaço propriamente dito e a que não sou capaz de chamar ‘quarto’, porque efectivamente nunca deixou de ser ‘galinheiro’, quase não conseguia entrar dada a exiguidade do tamanho, onde mal cabia aquilo que outrora terá sido uma cama, mas ultimamente era apenas um monte de andrajos. O Carlos atribui à falta da mãe a miséria a que chegou, já que os outros dois ‘seus vizinhos’ nesta situação desgraçada, não chegaram a tal ponto porque, nas suas palavras, “ainda têm mãe”. A sua, se ainda fosse viva, nunca o obrigaria a abrigar-se no ‘galinheiro’, nunca lhe cobraria dinheiro por um banho ou por uma sopa, como lhe fazia a actual companheira do pai. Assim, foi perdendo o interesse por tudo, ‘matando’ o tempo e morrendo também um pouquinho todos os dias… No entanto, nunca deixou de cumprir as sessões e prescrições do tratamento de desintoxicação em que tinha sido integrado pela Segurança Social. Foi essa a sua ‘estrelinha de Belém’ que não o deixou perder-se completamente no caminho.
Hoje, o ‘galinheiro’ onde foi passando as horas de sono, foi substituído por um quarto com casa-de-banho, com espaço para circular à volta da cama, o que não acontecia, onde pode passar e passa mais tempo com alguma qualidade, mas sobretudo com a dignidade mínima que é exigível pela sua condição humana. O Sr. Altino Barbosa (mestre de carpintaria) fez o ‘boneco’ e construiu-se a nova habitação. No dia em que lá dormiu pela primeira vez, no início de Dezembro, o Carlos teve o seu primeiro ‘Natal’ deste ano. E se mesmo quando as condições eram miseravelmente degradantes ele nunca se perdeu totalmente, hoje que pode viver mais como gente, agarrou “com as duas mãos” o emprego que lhe arranjaram e agora que está recuperado da tóxico-dependência, está outro homem. Está, de forma visível para todos os que o conhecem, um novo homem; mas sente-se, ele próprio outro homem, porque recuperou a dignidade que circunstâncias da vida lhe tinham retirado, e por isso, readquiriu alegria de viver ao sentir que ainda é GENTE, porque este novo homem é também e sobretudo ainda jovem para perder a esperança…
Jesus ‘chegou’ mais cedo este ano. Houve ‘Natal’ verdadeiramente na vida do Carlos e na nossa Comunidade, porque temos todos que estar felizes pela oportunidade de vida que parecia perdida, mas se reencontrou, às portas do Natal, celebração do nascimento de Cristo Salvador, de 2007. Por isso, quando se diz que “Natal é quando um homem quiser”, pode parecer o tal “chavão”, mas não é, porque é só olhar bem à nossa volta, em todas as épocas do ano, para se perceber que pode ser mesmo quando cada um quiser.

Marina Sequeira
in "A Voz de Leça", Ano LIV - Número 9 - Dezembro de 2007