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A Equipa Redactorial

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

XII FESTARTE

Decorreu de 24 de Julho a 3 de Agosto o XII FESTARTE (Festival Internacional de Artes e Tradição Populares de Matosinhos). Tal como vem sendo hábito em anos anteriores, o FESTARTE teve o seu inicio com o hastear das bandeiras e audição dos hinos dos Países no adro da Igreja Matriz de Leça da Palmeira. Este ano, ao contrário de anos anteriores, o hastear das bandeiras realizou-se na manhã do dia 25 de Julho e contou com a participação de todos os Grupos estrangeiros presentes e das mais altas individualidades da Autarquia Matosinhense. No início da cerimónia tomou a palavra o Presidente do FESTARTE, Raul Neves, tendo dirigido uma saudação muito especial de boas vindas a todos os Grupos presentes e salientando a importância cultural do FESTARTE no intercâmbio de culturas. Usou também da palavra o representante da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira e, por fim, o Sr. Presidente da Câmara Municipal, Dr. Guilherme Pinto, que garantiu a disponibilidade total da Autarquia para com o FESTARTE. Domingo foi o dia grande do FESTARTE com a habitual missa solene na Igreja Matriz, participada por todos os Grupos Paroquiais e presidida pelo Rev. Padre Fernando Cardoso de Lemos. À tarde teve lugar o desfile etnográfico pela Avenida Dr. Fernando Aroso, seguindo-se a recepção oficial na Junta de Freguesia e o XXII Festival Internacional de Folclore de Leça da Palmeira, que, para a além do Grupos Estrangeiros, contou ainda com a presença do Rancho Típico da Amorosa, Rancho Folclórico do Mundão- Viseu, Rancho Folclórico “Os Camponeses de Santana do Mato”, Rancho Folclórico da Corredoura – Guimarães, Rancho Folclórico da Vila de Pereira – Montemor-o-Velho, Rancho Típico de São Mamede Infesta e o Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela – Viana do Castelo. À noite, teve lugar o já tradicional Baile Folk de Abertura, na Escola EB 2,3 de Leça da Palmeira. Na segunda feira, o FESTARTE esteve em Matosinhos onde houve lugar à animação de rua, seguindo-se a recepção oficial na Câmara Municipal. Na tarde desse dia os Grupos tiverem oportunidade de actuar em instituições de carácter social, nomeadamente a ALADI (Associação Lavrense de Apoio ao Diminuído Mental) e Lar da Bataria. Terça-feira foi dia de folga, tendo o FESTARTE continuado no dia seguinte, com a Gala da 3ª Idade no Auditório Mário Rodrigues Pereira em Lavra, tendo a noite sido preenchida com os recitais de música tradicional nas Igrejas de Leça da Palmeira, Santa Cruz do Bispo e São Mamede
Infesta. Na quinta-feira teve inicio o Festival de Gastronomia, em que as famílias que no ano passado receberam os Grupos em sua casa
puderam, desta vez, saborear as iguarias que os Grupos deste ano nos trouxeram, num jantar que teve lugar na Feira de Artesanato. O FESTARTE não poderia terminar sem o habitual encontro de Etnografia e Folclore coordenado pelo Dr. João Pimenta, do Gabinete de Estudos de Etnografia e Folclore do Rancho Típico da Amorosa, que este ano teve lugar na sede do RTA. A finalizar houve ainda lugar para mais dois festivais de folclore: no sábado à noite, em São Mamede, o XX Festival Internacional de Folclore e, no domingo, em Matosinhos, o Festival Internacional de Folclore e o encerramento do
FESTARTE.


OS Grupos Participantes
Ballet Folklorico de Occidente
Guadalaraja – México
Este Grupo chegou-nos do estado de Jalisco, cidade de Guadalaraja, sendo uma das maiores deste País da América Latina, com uma população a rondar um milhão e setecentos mil habitantes, sendo que a sua área metropolitana ronda os quatro milhões de habitantes, é a segunda maior do País em número de habitantes. Trouxeram ao FESTARTE a indústria do seu artesanato, a sua gastronomia, recomendada para quem goste de sabores picantes.







Croatian Folklore Ensemble “Ostrc”
Samobor – Croácia
Fundado em 14 de Janeiro de 1979, na pequena cidade de Samobor, que dista cerca de 25 Km da capital Zagreb. Este Grupo recriou artisticamente os diferentes temas da tradição popular, exprimiu a sensibilidade e as emoções contidas neste legado secular, que constitui a sua identidade com povo. Pela segunda vez no FESTARTE trouxeram também a gastronomia tradicional da Croácia, o Artesanato e os virtuosismo das suas interpretações musicais.







Apple Chill Cloggers
Carrboro – Estados Unidos da América

Este grupo tem como data da sua formação o ano de 1975 sendo seu patrono a Universidade da Carolina do Norte, estado de onde são originados. O grupo está federado no Orange County Arts, organização que tem por finalidade promover o desenvolvimento artístico desta pequena cidade da Carolina do Norte. O Apple Chill Cloggers levam as suas danças aos vários locais da região com particular destaque para as escolas básicas e superiores com a finalidade de expandir a arte que executam. Pela primeira vez presente no FESTARTE os Estados Unidos a América trouxeram da cidade de Carrboro o seu artesanato e uma gastronomia que nos surpreendeu.




Folk Ensemble Kladets
Moscovo – Rússia
Criado em 1985 por alunos dum colégio da região de Moscovo, o grupo ofereceu um programa variado, com as suas danças enérgicas e acrobáticas, misturados com alguns gestos de ternura perfeitamente sincronizados em danças de amos e muita alegria em danças de arte circense. O “Kladez” é participante da época de programas especiais da Sociedade Filarmónica de Moscovo Estado, Moscovo Tchaikovsky Concert Hall, etc. O Grupo participa regularmente em programas televisivos e é vencedor de vários prémios regionais. O seu artesanato esteve bem representado com particular destaque para as “matrioscas” bem como os paladares sempre misteriosos da cozinha tradicional Russa.



Songkhla Rajabhat University
Folk Dance Troupe – Tailândia
Este grupo chegou-nos do Sudoeste da Ásia e foi fundado em 1955 com a preocupação de manter o Thai Folkdance da região sul da Tailândia. O Grupo tem realizado algumas experiências nacionais e internacionais e possui instrumentos como o The Ranad, Pi-Nai, Pi-java, Pi-Mon, Klui Piang e Pomg Lang com sonoridade muito particulares. Trouxeram a sua gastronomia famosa pela mistura de sabores entre o doce, o apimentado, o amargo e o salgado. Particular destaque teve o seu artesanato.


A Feira de Artesanato
Se em anos anteriores sempre fiz tema do “meu lamento”, as condições da Feira de Artesanato com os seus stands quase artesanais produzidos à custa do trabalho árduo dos responsáveis pela Feira, este ano terei que dizer exactamente o contrário. Não sendo o supra sumo dos stands, foram sem dúvida a melhor solução encontrada. Também não se pede mais do que isto. Stands com luz, fechados e seguros foram o ponto mais positivo da edição deste ano do FESTARTE. Sabemos bem o esforço que foi feito para que tal fosse possível, mas de facto, valeu a pena. Saliente-se ainda a presença de um guarda nocturno durante os dias em que decorreu a Feira que para além da novidade de ter novos stands teve ainda a duração de mais um dia o que diga-se em abono da verdade se justificou plenamente, pois não fazia sentindo terminar a Feira de Artesanato a uma sexta-feira. Portanto, este ano a Feira de Artesanato esteve patente durante 8 dias, sempre com muito público, e, para além dos Grupos estrangeiros presentes, contou com artesãos nacionais com presenças em anteriores FESTARTE, assim como a “Tasquinha lá de Cima” que tal como em anos anteriores proporcionou deliciosos petiscos aos visitantes. Façamos votos de que para a ano se possa proporcionar as mesmas condições a quem expõe e a quem nos visita.

O Meu Lamento
Tal como diz o povo: “Não há bela sem senão”, o meu lamento deste ano vai para o reduzido número de Grupos estrangeiros presentes. Mas aqui há que ter em conta dois pontos fundamentais: o primeiro tem a ver com o facto de que este reduzido número de participantes não é da responsabilidade da organização do FESTARTE que tentou por todos os meios que pelo menos mais dois marcassem presença. Inclusive chegou a ser hasteada a bandeira da Moldávia. No entanto, problemas burocráticos nos países de origem e a tão afamada Gripe A impediram alguns grupos de estarem presentes na edição deste ano do FESTARTE. O segundo facto, este positivo, e para que não fique no ar de que aqueles que faltaram é que eram os bons, saliente-se a enorme qualidade dos Grupos presentes em especial o Grupo da Croácia, já pela segunda vez no FESTARTE e o estreante Estados Unidos que proporcionaram momentos que com certeza ficaram na memória de todos que com eles conviveram.

Nota Final
Não foi o melhor FESTARTE de sempre. Disso não restam dúvidas, mas foi o FESTARTE possível que com muito esforço e dedicação acaba sempre por ser o maior acontecimento cultural do Verão Leceiro. Esperemos que para o ano seja melhor, mesmo porque já nos habituamos a um rigor e qualidade aos quais o FESTARTE já não pode fugir.

José Eduardo Sousa in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 6 - Agosto/Setembro de 2009

ILUSTRES LECEIROS - ALBANO SOARES CHAVES

ALBANO SOARES CHAVES, professor primário em Leça da Palmeira, foi o ilustre leceiro apresentado no respectivo ciclo de conferências promovida pela Junta de Freguesia e cuja apresentação esteve a cargo de seu filho Dr. Albano Chaves.
O professor Albano Chaves nasceu a 9 de Dezembro de 1901, em Tabuaço. Após a instrução primária feita na escola local, diplomou-se na Escola Normal de Vila Real em 1919, tendo sido colocado neste mesmo ano em Paradela – Tabuaço, onde permaneceu até 1930.
Neste ano após concurso para nova colocação, ficou em primeiro lugar em três localidades, tendo optado por Leça da Palmeira, para bem dos Leceiros!
Aqui, em Leça da Palmeira, foi colocado na Escola Primária Masculina, que funcionava junto à antiga Ponte de Pedra, no inicio da Rua de Óscar da Silva. Passou pela escola primária da Amorosa e fixou-se na Escola da Praia, de onde se aposentou em 1963, com quarenta e dois anos de bons serviços.
Desempenhou o cargo de Delegado Escolar de Matosinhos durante dez anos, tendo sido exonerado a seu pedido. Sabemos agora que por motivos de saúde.
Foi louvado por várias entidades como o Ministério da Educação, a Direcção Geral do Ensino Primário, a Câmara Municipal de Matosinhos e a Junta de Freguesia de Matosinhos.
Foi agraciado com a “Ordem da Instrução Pública”, no grau de cavaleiro pelo Presidente da República, Marechal Craveiro Lopes.
Na sua acção como professor foi muito mais além do que a missão lhe exigia; isto é, de ensinar a ler, a escrever e a contar, despertando nos seus alunos, homens de amanhã, os sentimentos de generosidade, honestidade, lealdade e de trabalhadores, para que com satisfação pudessem enfrentar a vida.
Inovou o conceito de escola implementando as cantinas e as caixas escolares, com reflexo nos inúmeros benefícios proporcionados aos alunos mais humildes.
Foi nomeado “Cidadão de Mérito” de Leça da Palmeira e “Cidadão de Honra” de Matosinhos e homenageado pelo “Lions Clube de Leça da Palmeira” por tantos e tão elevados benfeitores concedidos a Leça da Palmeira no foro Cultural e Social.
Nos seus tempos livres dedicou-se oficialmente à elaboração de preciosos livros didácticos para as diferentes disciplinas e anos escolares, pelos quais várias gerações aprenderam e que alguns guardam com boas recordações.
Assim se reconhece o valor de um homem, que não sendo natural desta terra aqui se radicou e desinteressadamente elevou da melhor forma que encontrou, a juventude em formação dando origem a homens que garantiram um futuro melhor, deixando-nos ainda aqui a sua própria família, simpática e de uma educação extrema como exemplo para a sociedade em que vivemos.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 6 - Agosto/Setembro de 2009

GALARDÕES DE MÉRITO DE LEÇA DA PALMEIRA - A "MUSA LECEIRA"

A Junta de Freguesia de Leça da Palmeira levou a efeito uma cerimónia de entrega dos Galardões de Mérito da Freguesia, onde foram distinguidos com:
- Galardão de Mérito Desportivo, a Fernando José de Oliveira Pereira que habita em Leça da Palmeira há vários anos, é atleta paraolímpico de Boccia e praticante de Vela adaptada. Um desportista que nunca desiste, sendo um exemplo de coragem, perseverança e espírito de conquista, ao nível humano e desportivo.
- Galardão de Mérito Cultural, ao Rancho Típico da Amorosa por se tratar de uma colectividade com pergaminhos que honra e eleva o nome de Leça da Palmeira no País e por esse Mundo Fora.
Não esquecermos os nossos primos Henriqueta e Hermano que tanto deram a esta colectividade.
- Galardão de Mérito Cívico, ao Padre Henrique Marcelino, um nosso amigo de há longa data, pois com ele fizemos um dos primeiros cursos da Juventude Rebelde, e que com a sua simplicidade e modéstia é para todos um modelo naquilo que à acção cívica diz respeito. O seu espírito altruísta e empreendedor inspira-nos e faz-nos seus seguidores.
- Medalha de Honra, a título póstumo, a Jorge Bento, o investigador e historiador de Leça da Palmeira, O nosso, dos leceiros, saudoso amigo, de múltiplos talentos mas acima de tudo o cronista das memórias leceiras, que legou às gerações presentes e futuras um património documental absolutamente extraordinário.
Enquadrando todo este espírito artístico Miguel Rocha dos Santos apresentou-nos um conto inédito de sua autoria e que por si só justifica a sua alma artística mas também a de todos aqueles que enaltecem esta nossa terra, e que o levou a dizer:
“Há muitos, muitos anos, quando tudo era simples e a magia permeava o mundo, um maravilhoso nascimento aconteceu.
Numa das raras ocasiões em que todos os astros se alinham no firmamento, o Sol e a Lua uniram-se, e no abraço do eclipse criaram, com o seu Amor, uma linda menina.
Se alguém tentasse descrevê-la, certamente seria incapaz, pois seria preciso ser-se deveras especial para conseguir compreender e por em palavras como é uma linda menina nascida do Amor do Sol e da Lua.
Basta dizer que o comprimento e cor do seu cabelo se alteravam à sua vontade, os olhos e timbre de voz consoante a sua disposição, e o tom da pele dependia de quem a via, e nunca, nunca envelhecia.
Na verdade, durante muito tempo ninguém a viu, excepto o Pai – Sol e a Mãe – Lua, que para tomarem bem conta do seu tesouro, a puseram a morar num castelo de nuvens, alto nos Céus, forte para a proteger, fofo para não se magoar. Que fascínio de castelo aquele! Enorme, todo branco, repleto de móveis de nuvem: cadeiras, mesas, armários, roupeiros, camas, quadros, tapetes, o que conseguirem imaginar. E as cortinas eram tecidas de gotículas de chuva minúsculas que, quando o Pai – Sol espreitava por entre elas a ver como estava a filha, projectava com a sua luz as cores do arco-íris para o interior, tornando o lar ainda mais surreal e sonhador. Aliás, uma das brincadeiras favoritas da menina era esconder-se pelos numerosos recantos da casa, só para o Pai demorar mais a encontra-la, e pintar o castelo multi – color.
Foi assim crescendo nela o gosto pela pintura, e oh! como ela pintava… quadros atrás de quadros, do dia, da noite, do arco-íris, do Pai – Sol e da Mãe – Lua (muitas vezes separados, pouquinhas juntos), das estrelas, dos planetas, das aves que voavam mais alto e cantavam para ela… Só que, pouco a pouco, a menina foi-se cansando de pintar os mesmos temas vezes sem conta. Ansiava por conhecer o mundo lá em baixo, do qual apenas tinha vislumbres, e as histórias que lhe contavam as amigas aves.
Pediu então licença ao Pai e à Mãe que a deixassem ir à Terra, para explorar novos assuntos a pintar, mas eles, receosos, logo lhe negaram o desejo: - “ Sabe-se lá o que poderia acontecer… ” –
A linda menina entristeceu, mas daquela ideia não mais se esqueceu. Movida pela sua curiosidade temerária, teimou e matutou em como empreender a sua jornada, e por fim decidiu. Uma noite, enquanto a Mãe – Lua se ocupava a mudar de fase para Lua Nova, a menina pegou em quantos pincéis e tintas pôde, encheu como uma trouxa a fronha da almofada e fugiu pela janela, escalando a muralha de nuvem. Uma vez descida, pediu a um cisne que passava que a levasse às cavalitas, e ele logo aceitou.
Voaram grande distância, pois a Terra ainda era longe, e mesmo quando cá chegaram, longamente vaguearam, incontáveis vistas encontraram, centenas de culturas conheceram, e muitas pessoas tocaram, até que um dia chegaram a um lugar que só podia ser o seu destino. Um local de tal modo aprazível que a menina não pôde deixar de se apaixonar.
O cisne, depois de certificar-se que a menina ficava segura, quis partir, e a menina deixou, pois não se pode pedir a um cisne que abdique da felicidade de voar. Em sua homenagem, ela pintou mesmo no chão daquela terra a constelação do Cisne, para nunca o esquecer, e para ele saber onde procurar quando a quisesse visitar.
Por longos momentos, a filha do Sol e da Lua maravilhou-se com cada cristal de areia que ali havia, com a calma do rio, que silenciosa chocava com a fúria incontida do mar. Correu praia e penedia atrás das gaivotas e chapinou nas poças como as crianças gostam de fazer.
Na foz do rio brincou com os golfinhos. Mais acima, outra surpresa! Um tapete de relvas, uns fetos, uns carvalhos, uns eucaliptos… Nunca tinha visto nenhuns tão belos. Aqueles tons de verde inimitáveis, o toque áspero da casca, o alcance dos ramos como que querendo abraça-la, a fresca essência que inspira a vida… Aquilo agradou-lhe tanto que resolveu, misturando as suas tintas, usar o próprio ar como tela e pintar ali mesmo mais árvores, criar um pequeno bosque, povoado de animais. Por aí continuou, a pintar novas árvores noutros locais, e rochas e penedos na praia, a cantar e a dançar e a brincar.
Certo dia, começou a sentir-se estranha, algo que desconhecia, saudade. Sentia-se só, e quanto a isso teve de agir. Lembrou-se então de construir um farol na foz do rio, de chama acesa para chamar companhia. Ora, como ela era pequenina, e as pedras muito pesadas, demorou imenso até ter o farol pronto, e mesmo então, este era demasiado diminuto e pouco visível, para ser capaz de atrair muitas pessoas.

Por pouco se deixava vencer, mas acendeu-o à mesma, porque a esperança nunca morre. Esperou e esperou, e por fim lá surgiu alguém. Era um senhor velhinho, que ao chegar ao pé da menina, logo disparou: - “ Quem és tu, linda menina? Que fazes aqui sozinha? Foste tu que acendeste o farol? Para quê? “ –
- “ Calma, “ - disse ela – “ Uma pergunta de cada vez! Eu sou filha do Sol e da Lua, estou aqui para pintar o mundo, e fui eu que construi e acendi o farol, para chamar gente que me ajudasse. Afinal, não posso fazer tudo sozinha! E tu, quem és? “
- “ Bem, eu sou o Arquitecto. Isso e pedreiro. Dá jeito, faço os projectos e trabalho a alvenaria, e digo-te já, sem ofensa, que para vir mais gente, temos de construir um farol maior. “ –
- “Temos? Quer dizer que me ajudas? “ –
- “ Claro que sim! Olhando em meu redor, penso que compreendo a tua visão, e pretendo participar. “ –
Desta conversa nasceu uma grande amizade, da qual se colheram os melhores frutos.
Escolheram um local de rochas fortes, bem visível tanto de terra como de mar, e a menina lá pintou um grande farol, que o Arquitecto projectou e construiu. Com alguma luz reflectida do olhar dela, acenderam-no, para dar a quem quer que visse, a Boa Nova daquele lugar mágico e enternecedor.
Para a menina, inspirado nas histórias que ela lhe contava, o velho ergueu em pedra um castelo igual ao que ela habitara nuvens, e chamou-lhe “ das Neves ”, por estas também serem brancas.
Aos poucos, o povo foi chegando: Sapateiros e costureiras, lavradores e lavadeiras, fidalgos estrangeiros que vinham a ares, escultores, poetas, pintores, músicos e escritores, todos eles sonhadores. E imaginem só, até foi preciso um cronista, para guardar as suas memórias! Para eles, o Arquitecto fez casas baixinhas, ajardinadas, de branco caiadas e portas e janelas verdes.
Entretanto, os viajantes marítimos sofriam dificuldades em aportar, devido à impetuosidade das águas, portanto, os fidalgos opinaram que era de se construir um porto de mar. E foi a partir daí que a situação piorou…
A menina pintou o porto, o velhinho Arquitecto desenhou-o, mas mal começou a obra, deparou-se com três desafios: O primeiro era a sua idade avançada, que já não o deixava trabalhar como dantes; o segundo era a força do mar, que por vezes, tão altas eram as suas ondas, que quase o arrastavam para longe; e o terceiro, pior que os outros, era algo que veio assombra-lo e atormentá-lo enquanto trabalhava.
Vinda das profundezas, gigantesca, terrível, dantesca, uma serpente marinha! Despertara com a algazarra dos navios e das obras e agora acossava os marinheiros e viajantes, e ao Arquitecto mais que aos outros. O cheiro peçonhento que deitava era nauseabundo e empestava o ar. As suas escamas brilhavam temíveis entre o verde e o azul enquanto rasgava as águas na sua senda de destruição. Os gritos lancinantes trespassavam os corações de quem os escutava. Nem barcos, nem gentes, nem o paredão inacabado resistiam a tamanha ira.
Para o velho conseguir terminar o seu trabalho, foi necessária a colaboração de vários artistas. Aprendeu ele, já idoso, a lição de que precisamos todos uns dos outros. Primeiro, veio um compositor, que tocou uma saudosa sonata para aplacar o mar. De seguida os escultores, cedendo a experiência de trabalhar a pedra. Depois os engenheiros, com uma incrível criação: um gigante de ferro, com possantes braços que acarretavam toneladas e toneladas de rocha. A este gigante de ferro a menina deu vida com o seu pincel, e baptizou-o de Titã, para que combatesse as investidas da serpente, que gritava aos quatro ventos que a deixassem dormir.
Encorajado por tamanhas amizades, o Arquitecto conseguiu, enfim, concluir a sua obra, mas pagou o preço último. Caminhou, afastando-se, muito velhinho, com o Por do Sol às costas, deu uns passos e tombou. A menina acorreu-lhe, mas nem ela, nem todos os médicos do lugar lhe puderam valer. E assim, a menina aprendeu uma importante e dolorosa lição: que nada nem ninguém é eterno, e o nosso tempo tem de passar… Ajoelhou-se junto do seu velho amigo, e dali jurou não mais sair…
Ao ver os seus olhos tingidos de lápis-lazúli, rosto escorrido de lágrimas, um poeta apressou-se para junto do farol que o guiara, e ali nos penedos talhou versos solitários.
Sem que ele se apercebesse, a serpente marinha aproximara-se, sorrateira, dele. Assustando-o, silvou: - “ De onde te vem tão profunda mágoa, Nobre poeta, que nem o temor a mim daqui te afasta? “-
E o poeta contou-lhe o sucedido…
Ainda ele não tinha terminado, já a serpente se precipitava terra a dentro, para onde estava a menina com o velho caído. Ao vê-los, a serpente chorou, e com a menina se lamentou. Afinal, agora que pensava nisso, sentia saudades das lutas com o velho, da sua voz a amaldiçoa-la, e do som do seu martelo e cinzel sobre a pedra. Também a serpente aprendeu uma lição: dar valor às amizades enquanto se as tem.
Disse ela então à menina: - “ Se eu prometer tomar bem conta dele, tu prometes continuar a pintar, cantar, dançar e brincar por aqui? “
E a linda menina, num pranto, acedeu.
A serpente marinha velou sobre o corpo do velhinho até ela própria morrer, e onde jaz o seu corpo nasceram frondosas árvores, cujas copas pintadas pela menina fazem lembrar uma serpente marinha a nadar.
O Pai – Sol e a Mãe – Lua, comovidos, resolveram dar aos pintores ainda melhores paisagens para pintar, aos poetas melancolia para escrever, e aos músicos alegria para compor.
A linda menina, essa tornou-se invisível para não se apegar tanto a mais ninguém, e continua a inspirar quem com ela se cruza. Escuta-se a sua alma na Sonata Saudade de Óscar da Silva, a sua memória nos livros do seu Guardião Jorge Bento. Sente-se o seu misticismo no desenho da constelação do cisne, composto por cinco capelas locais (Santo Amaro na cauda, Espírito Santo no corpo, Santana à direita, Santa Catarina à esquerda, e S. Clemente das Penhas à cabeça). Vê-se o lampejo dos seus olhos no Farol da Boa Nova, a sua mágoa ali ao lado, nos versos de António Nobre, cravados no penedo. Respira-se o seu perfume entre o arvoredo das Quintas da Conceição e Santiago, a sua imaginação no Forte de Nossa Senhora das Neves, a sua força de vontade no Castelinho da praia, que já foi um Miramar. Ao restolhar do vento, dança lá na ponta do paredão, ao pé do antigo Titã que ainda nos guarda. Rejubila na praia, o seu riso ecoa nas rochas, enrolado na espuma das ondas. Em qualquer rua, o seu canto sussurrado incendeia-nos o íntimo! O nome da terra escolhida é Leça da Palmeira! O nome da menina, da linda menina, a filha do Sol e da Lua, que veio à Terra de um castelo nas nuvens… Ah! O nome dela, que nos arrebata… É MUSA! A MUSA LECEIRA!
Espalhem a nossa lenda!”
Está de parabéns quem o convidou, Dr. Luís Soares. Está de parabéns quem o lançou nestas andanças, o prof. A. Cunha e Silva. Está de parabéns quem o tem apoiado, o Dr. Albano Chaves; porque todos proporcionaram a um jovem natural de Leça da Palmeira a oportunidade de mostrar o que sabe e faz, contrariando a ideia daqueles que vão buscar gente de fora pagando, e que nada nos acrescentam.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 6 e 7 - Agosto/Setembro e Outubro de 2009